Métrica
“Brasília expande a distância entre os corpos”
Caso visite a Capital Federal, convido-lhe a percorrer o Eixão em direção à Asa Norte, com sorte, e mantendo um olhar atento, encontrará o lambe-lambe com os seguintes dizeres: Brasília expande a distância entre os corpos. Esta é uma frase que evoca vários lugares. O primeiro pensamento que me ocorre é o de concordar --quase que imediatamente-- com a afirmação. Questiono-me, porém: Que corpos são esses? E porque Brasília tem esse efeito?
O fato é que essa frase traz três pontos que vão ao encontro do jogo de palavras escolhido para nortear a proposta da exposição Métrica: Geométrica, Geo - métrica. Traçando um paralelo de aproximações, Brasília é o Geo, a terra, o espaço, locus e lugar no qual Guilherme Moreira, Gustavo Silvaral e João Trevisan moram e trabalham. A distância entre os corpos pode ser entendida também como ritmo, sequencialidade, os intervalos entre as coisas e como elas se organizam, ou seja, a métrica. O conjunto de regras que presidem a medida, o ritmo e a organização do verso, da estrofe e do poema como um todo, que aqui rege não apenas o ritmo e a ordem interna de cada trabalho, mas também a forma como estes ocupam o espaço de forma coletiva e os corpos de fato, que, quando pensamos nesse contexto não conseguimos refutar a ideia da geometria. Cubos, paralelepípedos e esferas feitos de concreto, mármore e vidro que ocupam o horizonte do planalto central.
“A arte abstrata não convence o público porque não se funda na sensibilidade mas na inteligência. Portanto não será sentida antes de ser compreendida.” Disse J. Romero Brest na conferência A Arquitetura é a grande arte de nosso tempo realizada em São Paulo em 1948. Retomando a relação com a cidade, é irrefutável negar a herança modernista. Brasília é uma obra arquitetônica urbanística cercada por princípios concretistas. Ao contrário do que Brest afirma, a abstração das formas e dos espaços aqui são sentidos muito antes de serem compreendidos. Conviver diariamente com essa forma de pensar e construir no espaço resulta em uma maneira de olhar muito específica. Maneira esta que contamina a forma de pensar e produzir esteticamente.
Para além disso existe uma relação mais íntima e pessoal com a cidade que vai além da sua modernidade arquitetônica. João Trevisan utiliza como matéria prima para suas esculturas madeiras e ferros abandonados pela linha de trem que passa pelos arredores da capital, linha esta cuja existência é desconhecida pela maioria dos brasilienses, o que faz com que o trabalho de Trevisan seja praticamente resultado de uma cartografia afetiva do artista.
Tomo emprestadas as Palavras de Ralph Gehre para dizer que estes trabalhos carregam em si paisagens em uma acepção própria da Geografia: aquilo que pode ser alcançado pelos sentidos, que pode ser... sendo. São paisagens por tudo aquilo que nos põe a imaginar, sejam pelos cômodos monocromáticos de Gustavo Silvamaral ou pelas esculturas/instalações de Guilherme Moreira que são textos, janelas ou perfis montanhosos, estratigrafias.
Temos até aqui, uma ideia de por onde atravessam as ideias de geometria e de geolocalização que tento alcançar. Porém, pergunto-me onde se encontra a relação com a métrica. O resultado visual dos trabalhos aqui propostos dialoga com uma abstração geométrica da paisagem, mas também com a ideia de um poema concretista. Sejam pelos blocos de madeira matematicamente elaborados, planos, cortes, cores e repetições. Cada trabalho possui um ritmo interno muito específico, um tempo, uma forma de ser apreendido. A colocação destes trabalhos em um mesmo espaço propõe que esses compassos sejam invadidos uns pelos outros. Cada tela, cada lastro de cor, cada forma que ocupa também reverbera o espaço. Mesmo que carregados de um pensamento lógico, matemático, os elementos se entranham, contaminam-se e se sensibilizam uns com os outros, compondo um complexo poema visual.
Gisele Lima