Rapaz Latino-Americano

Gustavo Silvamaral é um Silva. Um Silva por escolha para nomear sua proximidade com o mundo comum. Uma Silva que, por estar habituado em ser um de muitos, olha para um material qualquer como potencial artístico. Que olha para o ordinário como suficientemente belo.
Contudo, além da utilização dos materiais brutos do cotidiano, sua veia construtivista fica evidente em seus trabalhos tanto pela escolha das cores quanto pela preferência às formas simples e geométricas. Estas, uma vez alinhadas à arquitetura promovem um diálogo entre os planos da pintura com os da galeria. Enquanto habitante das paisagens concretas da capital, Gustavo olha para a arquitetura como provocação, como aquilo que reivindica a sua ação. Mas de preferência com humor, tal qual a Sequência Preta que, diante do embate com a especificidade local, o artista prefere incorporar a matéria já dada pelo espaço expositivo dando continuidade (e quem sabe até atribuindo valor?) àquilo que poderia ser considerado um ruído em qualquer cubo branco convencional.
Silvamaral pinta sem o uso de tintas, mas com o corpo (da Pintura). Os materiais escolhidos pelo artista ganham importância quando colocados sob o chassi, pois com esse ato, Gustavo invoca toda a tradição da pintura ao depurá-la e ao nos expor seus elementos-base: suporte, superfície e cor. Da mesma forma, retoma a conexão entre o artifício e a aura (e por que não?) que a Pintura instaura sem deixar de aludir (ou talvez até por isso mesmo alude) a questões sobre poderes e hierarquias na arte e na sociedade.
Com isso, por entre as Sequências vermelhas, azuis e amarelas, se encontra Sebastião (o tríptico de módulos azuis de diferentes tamanhos), um elo entre forma e aquilo que é da ordem do sujeito, do inconformado político e do popular. Como um resquício da Nova Objetividade e sua reinvenção da antropofagia como traço cultural brasileiro, Silvamaral experimenta a pintura resgatando superfícies marginais à arte como quem denuncia a permanência (ainda) de um pensamento colonial na arte e na sociedade brasileira. E nesse momento, sua inquietação com a presença dos materiais, das maneiras, das regras e dos olhares europeus para formatar a arte e a crítica de arte brasileira (sim, ainda!) o faz cada vez mais latino-americano, que busca na sua vizinhança a sua herança.
Essas inquietações, que são familiares ao artista, estão presentes também em suas performances e ações coletivas, como integrante do grupo Corpos Informáticos, que exploram os limites entre arte e política ao fazerem do corpo a matéria-superfície elementar da arte e da vida. As pesquisas matéricas e pictóricas também estruturam outros trabalhos de sua produção do início deste ano, como na performance Made in Brazil: formando patriotas e nas ações do Artista golpista mostradas em outras ocasiões.
Assim, a pesquisa de Gustavo Silvamaral não concebe apartar a materialidade do corpo da fisicalidade da pintura. A construção da forma de um posicionamento político. E esse, talvez, esse seja o seu maior componente latino-americano.
.... um rapaz latino-americano, um silva brasileiro.

Novembro de 2016
Cecilia Mori e Gisele Lima


 

Latin American Boy

Gustavo Silvamaral is a Silva. A Silva by choice to name his proximity to the ordinary world. A Silva who, because he is used to being one of many, looks at any given material as artistic potential. Who looks at the ordinary as beautiful enough.
However, besides the use of raw materials from the everyday, his constructivist vein is evident in his works both by the choice of colors and by the preference for simple and geometric shapes. These, once aligned with the architecture, promote a dialogue between the planes of the painting and those of the gallery. As an inhabitant of the concrete landscapes of the capital, Gustavo looks at architecture as a provocation, as something that claims his action. But preferably with humor, such as Sequência Preta (Black Sequence) which, faced with the clash with the local specificity, the artist prefers to incorporate the matter already given by the exhibition space, giving continuity (and who knows, even attributing value?) to what could be considered a noise in any conventional white cube.
Silvamaral paints without the use of paints, but with the body (of Painting). The materials chosen by the artist gain importance when placed under the chassis, for in this act Gustavo invokes the whole tradition of painting by purifying it and exposing its basic elements to us: support, surface and color. In the same way, he resumes the connection between artifice and aura (and why not?) that painting establishes, while alluding (or perhaps even, for this very reason, alluding) to questions about powers and hierarchies in art and society.
Thus, among the red, blue and yellow Sequences, we find Sebastião (the triptych of blue modules of different sizes), a link between form and that which is of the order of the subject, of the political non-conformist and of the popular. As a remnant of New Objectivity and its reinvention of anthropophagy as a Brazilian cultural trait, Silvamaral experiments with painting by rescuing surfaces marginal to art as if denouncing the permanence (still) of a colonial thought in Brazilian art and society. And at this moment, his uneasiness with the presence of European materials, manners, rules and looks to format Brazilian art and art criticism (yes, still!) makes him more and more Latin American, who searches in his neighborhood for his heritage.
These concerns, which are familiar to the artist, are also present in his performances and collective actions, as a member of the group Corpos Informáticos, which explores the limits between art and politics by making the body the elementary surface-matter of art and life. Matter and pictorial research also structure other works of his production from earlier this year, as in the performance Made in Brazil: forming patriots and in the actions of Artista golpista shown on other occasions.
Thus, Gustavo Silvamaral's research does not conceive of separating the materiality of the body from the physicality of the painting. The construction of the form of a political positioning. And this, perhaps, is his greatest Latin American component.
.... a Latin American boy, a Brazilian silva.

Novembro de 2016
Cecilia Mori e Gisele Lima